quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Barreiro

Era uma vez um 1-andar,num prédio de fachada virada para um largo grande,onde durante o dia havia um "corropio" lento de pessoas que se dirigiam a todos os locais daquela vila ,quase cidade ,que tudo tinha.Aquela vila,de história maioritáriamente fabril,encerrava nela convicçoes politicas aguerridas,que eram faladas de maneira velada,antes do 25 de Abril.Era sem dúvida um "sitio",onde crescia a cultura,onde as vizinhas se conheciam e trocavam sabedorias de crochets,que de quando em vez se aborreciam,mas nao muito, porque o decoro exigido pelo regime politico da altura nao se coadunava com grandes expansoes de carácter,e cultivava o recato.Pouco tempo depois da queda desse regime politico ,mudámo-nos para esse 1-andar,com espaço de sobra para o magro mobiliário que possuiamos.Aquela "casa"era um mundo,de onde podiamos contemplar ,através das várias janelas que tinha,o resto do mundo,que lá fora ,buliciava naquela vila ,quase cidade.Naquela vila,vivia-se com a companhia das sirenes das fábricas que nos ajudavam a marcar e defenir o tempo.A C.U.F,por exemplo,que era um complexo fabril de enorme importancia ,marcava as mudanças de turnos dos operários,com gritos de sirenes ,que para uns significaria entrada de turno,para outros o retorno ao lar ,onde ainda nesse tempo em muitas casas,as esposas esperavam os maridos,com paparicos e pequenos mimos.Em nossa casa nao se trabalhava nas fábricas.O meu pai tinha um sonho...um sonho bonito...e alugou uma loja grande,com montras de vidro enormes,com letreiros luminosos de branco e amarelo,onde no centro se lia..."JOAO DE DEUS O REI DAS RESISTENCIAS".Loja de conto de fadas com mostradores de veludo vermelho, ornamentados com todos os tipos de electrodomésticos.Dos tectos pendiam os mais elaborados candeeiros,coloridos,brilhantes!Acredito que muitos operários das fábricas cobiçaram os artigos da loja do meu pai.Muitos terao até comprado.E naquela vila quase cidade ,muitas pessoas viveram vidas simples ,com salários simples,umas foram simplesmente felizes,outras simplesmente nao o conseguiram ser!Talvez como em todos os outros pontos do planeta,mas ...ali...muitos acreditaram nos sonhos ,saindo das suas aldeias de norte a sul do país,para ganhar um sustento melhor ,trabalhando na companhia das sirenes que lhes indicavam o caminho.As paredes dos prédios eram todas cinzentas...Dias havia em que respirar era uma tarefa complicada porque se tossia muito , se nao se cobrisse a boca ,pelo menos com a mao.No entanto nao era inquietante,nao importava, porque nem se falava em poluiçao e danos fisicos por ela provocada.Havia uma cumplicidade entre iguais,e ali naquela vila práticamente todos eram" iguais".Aprendi naquela localidade que me marcou na carne e no sangue,as coisas mais importantes da vida.Ás vezes recordo um sentimento que ainda hoje perdura...havia noites em que acordada de madrugada,olhava para a rua solitária,queda,silenciosa,através da janela sem cortinados,e perguntava-me...serei a única pessoa a estar acordada nesta vila quase cidade?E sentia uma tristeza grande e uma solidao maior,que só achava consolo na consciencia de que...havia outros seres humanos como eu ,que me faziam companhia sem que o soubessem,estando acordados a ganhar o seu pao naquelas fábricas.E,como que por magia a minha solidao desaparecia!

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espreito pelo canto dos olhos a minha alma,ávida de encontrar "coisas"sobre mim que desconheço!

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